Em mensagem aos brasileiros sobre a Copa do Mundo de Futebol divulgada
quarta-feira, 11, o Papa Francisco afirma que é preciso superar o
racismo e que o futebol deve ser uma escola de construção para uma
cultura do encontro, que permita a paz e a harmonia.
O Pontífice usa também uma gíria brasileira para defender o
espírito de equipe não só no esporte, mas entre as pessoas e culturas:
"Não é só no futebol que ser 'fominha' constitui um obstáculo para o
bom resultado do time; pois, quando somos 'fominhas' na vida,
ignorando as pessoas que nos rodeiam, toda a sociedade fica
prejudicada".
O Papa afirma esperar que a Copa seja, além do esporte, festa de "solidariedade" entre os povos.
A Copa começa nesta quinta-feira, 12, com o jogo de abertura
entre Brasil e Croácia, em São Paulo. Ao todo, 32 seleções disputarão
64 jogos e a final, marcada para 13 de julho, será realizada no
Maracanã, no Rio de Janeiro.
Abaixo, a íntegra da mensagem do Papa Francisco aos brasileiros:
"Queridos amigos,
É com grande alegria que me dirijo a vocês todos,
amantes do futebol, por ocasião da abertura da Copa do Mundo de 2014
no Brasil. Quero enviar uma saudação calorosa aos organizadores e
participantes; a cada atleta e torcedor, bem como a todos os
espectadores que, no estádio ou pela televisão, rádio e internet,
acompanham este evento que supera as fronteiras de língua, cultura e
nação.
A minha esperança é que, além de festa do esporte, esta
Copa do Mundo possa tornar-se a festa da solidariedade entre os povos.
Isso supõe, porém, que as competições futebolísticas sejam
consideradas por aquilo que no fundo são: um jogo e ao mesmo tempo uma
ocasião de diálogo, de compreensão, de enriquecimento humano
recíproco. O esporte não é somente uma forma de entretenimento, mas
também - e eu diria sobretudo - um instrumento para comunicar valores
que promovem o bem da pessoa humana e ajudam na construção de uma
sociedade mais pacífica e fraterna. Pensemos na lealdade, na
perseverança, na amizade, na partilha, na solidariedade. De fato, são
muitos os valores e atitudes fomentados pelo futebol que se revelam
importantes não só no campo, mas em todos os aspectos da existência,
concretamente na construção da paz. O esporte é escola da paz,
ensina-nos a construir a paz.
Nesse sentido, queria sublinhar três lições da prática
esportiva, três atitudes essenciais para a causa da paz: a necessidade
de “treinar”, o “fair play” e a honra entre os competidores. Em
primeiro lugar, o esporte ensina-nos que, para vencer, é preciso
treinar. Podemos ver, nesta prática esportiva, uma metáfora da nossa
vida. Na vida, é preciso lutar, “treinar”, esforçar-se para obter
resultados importantes. O espírito esportivo torna-se, assim, uma
imagem dos sacrifícios necessários para crescer nas virtudes que
constroem o carácter de uma pessoa. Se, para uma pessoa melhorar, é
preciso um “treino” grande e continuado, quanto mais esforço deverá
ser investido para alcançar o encontro e a paz entre os indivíduos e
entre os povos “melhorados”! É preciso “treinar” tanto…
O futebol pode e deve ser uma escola para a construção
de uma “cultura do encontro”, que permita a paz e a harmonia entre os
povos. E aqui vem em nossa ajuda uma segunda lição da prática
esportiva: aprendamos o que o “fair play” do futebol tem a nos
ensinar. Para jogar em equipe é necessário pensar, em primeiro lugar,
no bem do grupo, não em si mesmo. Para vencer, é preciso superar o
individualismo, o egoísmo, todas as formas de racismo, de intolerância
e de instrumentalização da pessoa humana. Não é só no futebol que ser
“fominha” constitui um obstáculo para o bom resultado do time; pois,
quando somos “fominhas” na vida, ignorando as pessoas que nos rodeiam,
toda a sociedade fica prejudicada.
A última lição do esporte proveitosa para a paz é a
honra devida entre os competidores. O segredo da vitória, no campo, mas
também na vida, está em saber respeitar o companheiro do meu time, mas
também o meu adversário. Ninguém vence sozinho, nem no campo, nem na
vida! Que ninguém se isole e se sinta excluído! Atenção! Não à
segregação, não ao racismo! E, se é verdade que, ao término deste
Mundial, somente uma seleção nacional poderá levantar a taça como
vencedora, aprendendo as lições que o esporte nos ensina, todos vão sair
vencedores, fortalecendo os laços que nos unem.
Queridos amigos, agradeço a oportunidade que me foi dada
de lhes dirigir estas palavras neste momento – de modo particular à
Excelentíssima Presidenta do Brasil, Senhora Dilma Rousseff, a quem
saúdo – e prometo minhas orações para que não faltem as bênçãos
celestiais sobre todos. Possa esta Copa do Mundo transcorrer com toda a
serenidade e tranquilidade, sempre no respeito mútuo, na
solidariedade e na fraternidade entre homens e mulheres que se
reconhecem membros de uma única família. Muito obrigado!"
Nota: No texto original em português, foi utilizado o termo
futebolístico “fominha” que foi traduzido como 'individualista'. Na
linguagem futebolística italiana, o vocábulo correspondente a
“fominha” – aquele jogador que não passa a bola nunca – é “veneziano”.
O termo “veneziano” pertence ao vocabulário esportivo popular e
indica o jogador de futebol que, por ser dotado de boa técnica
individual, excede no drible e termina por perder a bola para o jogador
adversário ou por retardar a fluidez da ação do time. O termo vem da
convicção que os habitantes de Veneza têm de querer fazer tudo
sozinhos. Neste propósito se diz: “aquele ali é um veneziano, faz tudo
sozinho”.
Fonte do site da Rádio Vaticano