PRIMEIRA LEITURA - At 12,1-11
Páscoa Judaica – Páscoa de Jesus – Páscoa de Pedro
O livro dos
Atos dos Apóstolos poderia muito bem ser chamado de livro dos Atos de
Pedro e Paulo, pois estes dois apóstolos são as figuras principais do
livro. Até o cap. 12, Lucas se preocupa com Pedro; e do capítulo 13 ao
28 o protagonista é Paulo. Lucas, o autor dos Atos, tem um esquema
mental interessante. Ele pensa em três grandes tempos, nos quais a força
de Deus (o Espírito Santo) está presente. O tempo da promessa (=
Primeiro Testamento), o tempo da realização (= tempo de Jesus =
evangelho) e o tempo da Igreja (= Atos dos Apóstolos). O Espírito Santo
que atuou nos profetas é o mesmo que age em Jesus e na Igreja. Como a
Igreja é o prolongamento das ações de Jesus, ele mostra esquematicamente
que o que aconteceu com Jesus também aconteceu com a Igreja,
simbolicamente representado por Pedro e Paulo. Igualmente os mesmos
prodígios que Jesus faz, Pedro e Paulo também os fazem.
O texto de hoje
tem dois paralelos. Lucas pensa na Páscoa judaica, reproduzindo o
episódio do Êxodo e pensa também na Páscoa de Jesus. O capítulo 12 pode
ser chamado de Páscoa de Pedro. Israel oprimiu o seu povo como o Egito
oprimia os hebreus. O faraó opressor é reproduzido na pessoa de Herodes
Agripa I (vv. 1ss). Na mente de Lucas estão presentes também Pilatos e
Herodes Antipas, os opressores do tempo de Jesus. As datas relembram o
Êxodo e a Páscoa de Jesus: prisão nos dias da festa do pão sem fermento,
a libertação na última noite das solenidades pascais. Temos o mesmo
instrumento de libertação: “O anjo do Senhor”, que é a forma típica de
expressar a ação de Deus (Nm 20,16). Assim como Deus libertou seu povo
da escravidão egípcia, liberta Jesus e Pedro e os devolve à comunidade
(vv. 12ss). Quem quiser ver mais de perto o paralelo entre a Páscoa de
Pedro e a de Jesus deve ler atentamente Lc 22-24. O grande aparato
repressivo pode ser visto também nas tropas do faraó e na prisão de
Jesus. Lucas salienta também a força poderosa de Deus libertador para
quem as cadeias do opressor nada representam. Pedro estava tão amarrado
que ele pensava que sua libertação não passava de um sonho. Só depois
que o anjo o deixou é que ele caiu em si. Mas o v. 5 já antecipa o que
motivou a intervenção miraculosa de Deus: a oração fervorosa da
comunidade.
SEGUNDA LEITURA - 2Tm 4,6-8.17-18
O texto de hoje
é tirado da segunda carta a Timóteo capítulo quarto, versículos de seis
a oito e dezessete a dezoito. Trata-se do “Testamento de Paulo”, mesmo
sabendo que as pastorais (1 e 2 a Tm e Tt) não são de Paulo, mas apenas
atribuídas a ele.
Primeiro, Paulo relembra o passado e projeta o futuro.
Ele está para
morrer e faz uma revisão de sua vida. O passado é motivo de orgulho para
ele, pois agiu como um bom e corajoso soldado ou como um atleta
vitorioso, guardou a fé, entregou sua vida à evangelização. O futuro é
para ele carregado de esperança. Ele espera ganhar de Deus a coroa de
justiça no dia da manifestação de Jesus. Esta coroa não é só para ele, é
também para todos aqueles que como ele trabalharam na esperança, agiram
na caridade. A coroa da justiça é símbolo da vitória sobre a morte.
Segundo, ele relata o que se passou no tribunal.
Aconteceu na
paixão de Paulo o que aconteceu na paixão de Cristo. Ele é abandonado
por todos, entretanto o Senhor não o deixou sozinho, mas o revestiu de
força. Ali, ele dá testemunho de Jesus e “a mensagem foi plenamente
proclamada e ouvida por todas as nações”. Paulo não foi imediatamente
condenado; ele foi libertado por um pouco de tempo. “Boca de leão” é uma
provável referência ao julgamento do imperador. Paulo, contudo não está
mais preocupado com uma libertação física. Sua esperança é grande, mas o
que espera é uma libertação definitiva para o Reino celeste. Nosso
passado é motivo de glória ou de pesar? Nosso futuro é carregado de
esperança?
EVANGELHO - Mt 16,13-19
Quem é Jesus?
O episódio
acontece na região mais distante do centro. Cesaréia de Filipe está no
extremo norte, pode ser considerada periferia em relação a Jerusalém. É
distante do poder opressor. Jesus quer saber a opinião das pessoas a
respeito dele. Primeiro, a opinião dos seus ouvintes em geral e a
resposta é bastante variada, mas todos apontando-o como precursor dos
tempos messiânicos. É João Batista ressuscitado, é o grande e esperado
Elias que viria antes da grande intervenção de Deus na história. É
Jeremias, um profeta que encarna o sofrimento e a esperança, ou é,
enfim, algum dos profetas. As respostas são bonitas, mas ainda fracas.
Em seguida, Jesus pede a opinião dos discípulos. É Pedro que responde em
nome de todos. Ele dá duas respostas: Jesus é o Messias, Pedro acertou.
Só precisará mudar a sua idéia sobre o messianismo de Jesus. Quando
afirma que Jesus é o Messias, ele ainda pensa em messianismo político,
pensa em triunfo, revolução política, poder e glória. Jesus, entretanto,
veio como o Messias Sofredor, como o Servo de Javé; é por isso que no
v. 23 Jesus vai repreender severamente a Pedro. A segunda resposta é:
Jesus é o Filho de Deus vivo. Ele é o Emanuel, Deus conosco, é o
salvador. O nome “Jesus” significa Deus salva. No Primeiro Testamento o
Deus vivo e Salvador se opõe aos ídolos mudos, opressores.
Quem é Pedro?
Jesus faz um
grande elogio a Simão Pedro, dizendo que ele falou sob revelação do Pai:
Jesus faz duas afirmações a Pedro. A primeira é que ele é “Kefa”. O que
significa Kefa? Se Kefa significa apenas rocha, Jesus quer dizer que
sua Igreja será edificada sobre a rocha de Pedro, dos apóstolos, sobre
sua fé e testemunho. Pedro é o líder do grupo e isso a gente vê nos
evangelhos e nos Atos. Só que uma outra tradução também é possível. Kefa
significa também caverna rochosa e “construir” é tradução para a
palavra hebraica “banah”, que significa construir, mas também gerar
filhos, fundar uma família. Considerando que a Igreja é uma comunidade
de pessoas mais que um edifício, poderíamos adotar uma outra tradução do
pensamento de Jesus: Tu és Kefa, uma caverna escavada na rocha. É aí
dentro que eu vou criar a minha família. O papel de Pedro continua de
amparo, de proteção e desta vez com características maternas, geradoras
de vida. Contra a Igreja de Cristo a morte não tem poder.
A segunda
afirmação de Jesus é o poder das chaves entregues a Pedro e sua
comunidade. A chave para nós no Ocidente serve mais para fechar. Mas
para os orientais serve mais para abrir. O poder das chaves dado a Pedro
(e em Mt 18,18 dado a toda a comunidade) significa que a Igreja tem o
poder de abrir suas portas para acolher pecadores e marginalizados
(desligar das cadeias do mal) como também para rejeitar o poder opressor
(ligar ao mal, condenar) que destrói as relações justas e fraternas da
nova família de Jesus. É claro, que tudo que é mal deve ser desligado,
condenado, excluído. Mas não devemos esquecer que a força da palavra
chave em hebraico está na abertura e liberdade, no ato de abrir e não de
fechar. A vida da Igreja é caracterizada pela liberdade e não pela
escravidão.
Colunista do Portal Ecclesia.
Bispo de
Caratinga (MG). Estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana,
em Roma. Especializado em Sagradas Escrituras e mestre em exegese
bíblica e línguas orientais pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma.
Da redação do Portal Ecclesia.
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